Há uma passagem do Salmo 42, presente nas orações ao pé do
altar da Missa Tridentina, que deveria nos fazer meditar. “Quare tristis es,
anima mea, et quare conturbas me? — Por que te entristeces, minh’alma, a
gemer no meu peito?”, pergunta o Autor Sagrado, para logo em seguida ajuntar,
com uma frase imperativa: “Spera in Deo — Espera em Deus!”

A pergunta do salmista deveria ser uma constante em nossas
vidas: Por que ficamos tristes? O que é que “conturba” a nossa alma,
nos aflige por dentro, fazendo com que muitas vezes percamos o sorriso no
rosto, o sono, o apetite e até, quem sabe, a vontade de viver? Sem querer,
evidentemente, dar uma resposta única a um problema amplo, é por não
responderem a essas perguntas no tempo e com a precisão devidas que tantas
pessoas podem acabar afundando em problemas como a depressão, já
considerada por tantos como o “mal do século”.
Lembremo-nos que a tristeza é a reação natural que
manifestamos diante de um mal, diante da ausência de determinado bem.
Ficamos tristes porque perdemos algo que nos era valioso, alguém que nos era querido
e assim por diante. Por isso, a grande “sabedoria da tristeza”, por assim
dizer, reside justamente na hierarquia das coisas que temos por bens
e por males. A pergunta aqui é: O que é mais importante na minha vida? O
que ocupa as primeiras posições na minha “escala de prioridades”?
Já aqui podemos entrever o primeiro erro em que as pessoas
normalmente caem nessa matéria: achar que elas não têm controle sobre suas
alegrias e tristezas. “É inevitável”, elas dizem, “é natural” (e,
portanto, não há nada a fazer a respeito, pensam), e com isso elas se entregam
aos seus sentimentos, sem lhes oferecer resistência alguma, como um caniço
que é agitado de lá para cá pelo vento…
No homem e na mulher cristãos, no entanto, não deve ser
assim. E não é questão de ser insensível, mas de submeter, com uma vontade
firme, aquilo que sentimos à verdade que acessamos por nossa inteligência, como
um cavaleiro que toma as rédeas de um animal e o conduz para onde ele quer,
e não para onde o cavalo, agitado e desgovernado, deseja ir. Na vida
espiritual, essa ordem é ainda mais admirável, pois envolve as verdades da
fé, que acessamos por nossa inteligência, iluminada pela graça de Deus: temos
assim “corpo, alma e espírito” (cf. 1Ts 5, 23); o cavalo submete-se
ao cavaleiro, mas o cavaleiro é conduzido não apenas pelo que pensa ou deixa de
pensar, mas pela vontade divina.
E o que Deus quer de nós, senão que O amemos sobre todas as
coisas, como diz o primeiro Mandamento? O que Ele pede de nós, senão que O
aceitemos como nosso Bem, acima de todos os bens desta terra? Pois então, se é
isso o que Ele pede a todos— não só aos padres e às religiosas, não só a
esta ou àquela “classe” dentro da Igreja —, se deve ser Ele o nosso tesouro
mais precioso nesta vida, voltemos às nossas tristezas e façamos um exame
de consciência: O que me entristece? Quais têm sido os motivos de minhas “caras
feias”, de minhas angústias, de minhas noites sem dormir? Foi um negócio que
não deu certo no trabalho? Foi o fim de um relacionamento amoroso? Foi uma
palavra ou atitude de um amigo que me desagradou?
Sejam quais forem as nossas respostas, a primeira pergunta
que devemos fazer é: essas coisas pelas quais “minhas lombrigas se agitam”
dentro de mim são males de verdade ou, ao contrário, não são bens que
meu egoísmo, minha vaidade ou meus vícios interpretam como males? Tomemos
por exemplo o rompimento de um relacionamento que claramente nos estava
afastando de Deus. “Eu sinto tanta falta”, você pode dizer, “eu amava tanto
essa pessoa”. Muito bem! Mas, se essa pessoa era para você “causa de juízo
e condenação” — dizendo bem claramente, se você e essa pessoa estavam na
lama do pecado mortal, um levando o outro para o inferno —, como não
reconhecer nesse rompimento doloroso a mão providente de Deus, que quer a nossa
salvação e a nossa felicidade eterna?
Mas não nos limitemos a essa análise “mínima”, poderíamos
dizer, pois detestarmos o pecado mortal é o mínimo de que precisamos para levar
uma vida na graça de Deus. Suponhamos que os males a respeito dos
quais falamos sejam malesde verdade. Ainda na esteira dos relacionamentos
amorosos, suponhamos que o seu “romance” que terminou fosse um namoro casto,
levado na graça de Deus, onde os dois procuravam fazer a vontade dEle, mas, em
algum ponto do caminho, ambos descobriram que não era o caso de ficarem juntos…
Agora, você diz, “eu sinto falta da pessoa”, “sinto falta das conversas”, “não
me conformo com o fim” etc. Muito bem! Reconheço que é um mal a perda
desse seu “grande” amor. Mas, diga-me uma coisa, quando você peca e se
afasta de Deus, você tem se descabelado com a mesma proporção? Antes
de se confessar, você se amargura tanto quanto, agora, está chorando por causa
dessa criatura que você perdeu? Ou a perda do Criador é
para você um mal menor?
Eis a verdade, caro leitor! A verdade é que, por mais “juras
de amor” que façamos a Deus em nossos momentos de oração, nossas tristezas
denunciam nossas prioridades! Nossas tristezas apontam o dedo para nós e nos
acusam: Amamos mais as criaturas do que ao Criador! Estamos mais apegados aos
bens da terra que ao nosso único e verdadeiro Bem! Sofremos menos por perder a
Deus do que por perder as ninharias deste mundo!
Você reconhece em si este mal? Então, é hora de aplicar o
remédio. E ele se chama oração. E não há outro. E não há como escapar.
Porque é na oração, meditando sobre qual deve ser a hierarquia de nossos amores
e pedindo a Deus que aumente a nossa fé nessa realidade — realidade
que nossas “lombrigas” não querem aceitar, que nosso coração insiste em
rejeitar —, é na oração que iremos, pouco a pouco, fortalecendo a nossa vontade
tão fraca, tão sensual, tão inclinada às coisas deste mundo…
Portanto, fiquemos tristes, sim, mas com as coisas
certas, e na medida certa, com as proporções certas! Tristes, sim, mas com
sabedoria! Soframos, sim, mas não à toa! Angustiemo-nos, sim, mas — se nos
permitem a expressão mais dura — façamo-lo sem sermos idiotas! Se já estamos
perdendo neste mundo tanta coisa — dinheiro, pessoas, propriedades, cargos
importantes —, não nos esqueçamos que, com a morte, perderemos todo o resto e
só o que nos sobrará… será Deus. Ele nos basta e nós precisamos
convencer-nos disto, aumentando dia após dia a nossa fé! O preço de não o fazermos
é sermos arrastados por nossos sentimentos, é deixarmos que os instintos
animalescos dominem nossa razão… é terminarmos andando por aí feito burros sem
freio, chorando pelo que não deveríamos chorar e alegrando-nos com o que nos
deveria fazer temer e tremer (cf. Ef 6, 5).
Com isso, voltamos ao salmo da liturgia antiga. “Quare
tristis es, anima mea, et quare conturbas me? — Por que te entristeces,
minh’alma, a gemer no meu peito?”, perguntemos à nossa alma, mas não tardemos
em lhe responder: “Spera in Deo — Espera em Deus!” Sim, porque nEle temos
tudo e, tendo a Ele, nada nos falta. A maior tragédia deste mundo é não estar
na graça dEle e, se ela ainda não nos pesa o suficiente, somos nós que
precisamos mudar.
Fonte: Site do Padre Paulo Ricardo
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