Negro,
pobre, descendente de escravos, gago e epilético, sim, qualquer que analise,
embora sutilmente, a obra de Machado de Assis e navegue um pouco por sua
biografia testificará a veracidade das afirmativas que iniciam esse texto, de
igual modo também identificarão que suas origens e dificuldades não o impediram
de se tornar um dos senão o maior nome da literatura brasileira. Contista,
cronista, romancista, teatrólogo, poeta, jornalista, entre outros ofícios, o
currículo de nosso Bruxo do Cosme Velho é por tão imenso, invejável. Machado
passeou por diversos gêneros e estilos de época, todavia sua genialidade deu-se
justamente no fato de não se prender a nenhuma das escolas literárias. Ele
estreou técnicas de escrita e produziu para a literatura brasileira um legado
universal, atemporal, sarcástico, irônico, psicológico, mas, sobretudo,
crítico; era um homem de seu tempo (e para além de seu tempo) que analisava
tudo que o cercava; ele ponderou, mencionando Afrânio Coutinho, “a complacência
da consciência humana em face do mal”, o que ocorre no conto Causa Secreta, e
dentre tantas passagens, a que enfatizo para relatar essa característica se
encontra na obra que inaugura o Realismo Brasileiro: Memórias Póstumas de Brás
Cubas, quando Prudêncio, negro alforriado, toma para si um escravo e usava-o
para “se desfazer das pancadas recebidas”, dessa maneira Machado desvenda sem
romantizações características humanas, releva a crueldade humana; a corrupção
humana, como o caso de Dona Plácida, na mesma obra.
O
fundador e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras defendia a monarquia,
era conservador e avesso às ideologias que se apresentavam como ciência durante
o período de sua efervescente produção literária e jornalística durante o
século XIX. A criticidade concedeu ao brilhante escritor um posto único em
nossa literatura, seu talento e esforço o puseram sob os holofotes da
literatura universal. Machado não precisou recorrer aos discursos vitimistas
dos que hoje tentam utilizá-lo como objeto de uma luta para sobrepor uma raça
em detrimento de outra. O autor já revelava que para além da cor, há uma
relação de desigualdade regida por questões econômicas e sociais, as quais
superam as de raça. Não quero insanamente negar o racismo, ele é real, embora
penso que ocorra em proporções bem inferiores às apresentadas por grupos
militantes que inflam os pulmões e dizem lutar e combatê-lo, entretanto,
disseminam o ódio e repartem por cores nossa sociedade. Os autointitulados
defensores dos negros traçam caricaturas e impõem a essa maioria da população
brasileira um ritmo, cortes e penteados de cabelo, cores de roupas, jeito de
andar, crenças, etc., são estes falsos líderes avessos à pluralidade cultural,
religiosa, literária, política e por que não dizer de cor, que promovem campanha
para trazer com cheiro de novidade aquilo que já é sabido por todos: Machado de
Assis era negro. Suas intenções são infames e seus discursos inflamados
completam seus atos de preconceito e racismo.
A
campanha “Machado de Assis
Real” promovida pela Faculdade Zumbi dos Palmares escureceu uma das fotos mais
famosas do escritor com o intuito de “impedir que o racismo na literatura seja
perpetuado”, só não refletiram que a cor e raça do senhor Assis não o impediu
de ser quem o é: o grande e maior nome de nossa literatura. Marque-se que a
época não havia cotas e isso não o impediu de aprender francês, latim e
técnicas de produção textual. Questiono-me se essa variação de tonalidade na
foto promoverá alguma transformação importante para nossa literatura, pois,
contemplo-a meramente como possibilidades de uso do photoshop, sem culminar
numa elevação ou redução do valor de Machado, o que lhe garante fama é a sua
própria obra, contudo, uma vez que a faculdade iniciou uma campanha para
transformar a visão que a sociedade possui sobre alguns de nossos famosos,
aludo que desmistifique a pureza que se impôs à vida e ideais de Zumbi dos
Palmares, revele que ele foi um escravocrata e tirano; nesse caso sim, há um
grande equívoco histórico ao colocá-lo no papel de herói, sugiro que em seu
lugar enfatize a vida e obra do Patrono da Abolição da Escravatura, Luiz Gama,
que sim, era negro e lutou pela liberdade; atribuam honras a José do Patrocínio
por sua obra e luta abolicionista. Muitas personalidades negras tiveram papel
importante para nossa construção social e cultural, tais como o são André de
Rebouças, Ernesto Carneiro, Tobias Barreto...

Neste dia a indicação não poderia deixar ser Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Deus vos abençoe.
Amanda Rocha é professora
Muito esclarecedor querida Amanda, e não menos enriquecedor, trazendo-nos memórias outrora ofuscadas.
ResponderExcluirCongratulações!