Quando o modelo de vida leva a um esgotamento, é fundamental questionar se vale a pena continuar no mesmo caminho
A virtualização do local de trabalho, a possibilidade de trabalhar em qualquer canto, não significa necessariamente que se facilitou a nossa existência. Poder trabalhar em qualquer lugar hoje significa que se pode trabalhar o tempo todo. Agora, está-se procurando um ajuste que não tem a ver somente com o mundo do trabalho, mas com o nosso modo de vida. Há executivos que entram em estado de desespero porque não conseguem mas conviver com a família. E como o mundo da competitividade é muito acelerado e ele precisa de fato estar o tempo todo em atenção, produzindo, procurando competência e eficácia, não sobra tempo para outras coisas. Então, tem-se um nível de infelicidade muito grande.
A responsabilidade é de um mundo obsessivamente competitivo, mas ela é muitas vezes também de um modo de vida de como uma família vive. Por exemplo: hoje há um alto nível de consumo nas famílias de classe média, dos executivos. Esse consumo é responsabilidade do homem ou da mulher, no caso do executivo ou da executiva. Se ele baixar a qualidade do trabalho que faz, ele baixa o padrão salarial. Se ele diminuir esse padrão, as pessoas consomem menos. A questão central é como você faz um pacto central com a sua família para que se perceba que você está oferecendo a eles uma condição absolutamente privilegiada de vida, com condições materiais, alto consumo etc., mas isso o está matando, infelicitando-o, amargurando-o e você não quer fazer mais isso? É quase que uma reunião familiar, em que se diz o seguinte: “Todo mundo terá de diminuir um pouco o padrão de consumo porque eu precisarei baixar a carga de trabalho. E para diminuir a carga de trabalho, vocês não podem me cobrar. Eu preciso de vocês poder ter um pouco mais de vida”. Por isso, a família tem uma responsabilidade séria nisso. Afinal, são seus parceiros de vida. Vamos lembrar novamente: essa história de “eu não levo trabalho para casa, não misturo trabalho com vida pessoal” é uma bobagem. Nenhum de nós é uma função aqui, outra lá e outra acolá. Você é uma pessoa inteira. Quando você vai para casa, está levando tudo com você e quando vai para o trabalho, leva as coisas de casa. Você vive uma vida com várias dimensões concomitantes. Não dá para você fazer uma gaveta e dizer “agora eu vou ser pai”. O que você precisa é administrar o tempo.
Para isso, talvez esteja esquecendo que é necessária uma distinção entre o que é urgente e o que é importante. A maior parte das pessoas no mundo do trabalho executivo está cuidando do urgente e não do importante. É necessário tomar uma decisão em relação a isso. Lamento, o mundo não mudará essa lógica do Ocidente tão rapidamente. Acho que esse modelo de existência nas grandes metrópoles com um trabalho acelerado, com uma competitividade exacerbada ainda tem um fôlego, mas caminhará inexoravelmente para o esgotamento. Todavia, não mais que uma década porque está próximo de um esgotamento. Uma parte do mundo executivo está próxima de um colapso. O que temo de reorientar? Questionar o quer precisamos ter, de fato, em termos de bens materiais. Temos de pensar sobre aquele que tudo tem, mas a ele parece que o é muito pouco em relação ao que acha que deveria ter.
Até onde nós vamos? Até onde eu, executivo, vou levar minha vida ao esgotamento, à custa de que? De ter mais relógios, canetas, carros, de poder consumir mais? Se eu estou perdendo vida, estou vendendo minha alma. Aliás, os cristãos têm uma frase que muitos executivos deveriam pensar sempre. Diz: “De nada adianta a um homem ganhar o mundo se ele perder sua alma” (Mt 16,24).
O executivo que entra em estado de tristeza fica assim porque não consegue se enxergar saindo disso. Porque é um consumo em que mais se tem, mais se cresce. É como massa de pão: mais bate, mais cresce. Quanto mais você oferece, mais necessidade aparece. Tem de ter um basta, antes que a natureza dê. E ela costuma dar. Via saúde, por exemplo, ou via loucura. É necessário reinventar o modo como estamos existindo: não é apenas o mundo do trabalho, que é só uma das dimensões. Não é a única, nem a exclusiva, é aquela na qual nós gastamos amis tempo.
Karl Marx, no final do século XIX, acreditava e esse é um sonho que se perdeu e não deveria ter sido perdido que chegaria um momento e ele imaginou que seriam cem anos depois, portanto, agora, nesses últimos quarenta anos em que o homem trabalharia quatro horas por dia. E nas outras vinte horas iria brincar, ficar com a família, pescar, ler. Já temos tecnologia suficiente pra que a humanidade trabalhe quatro horas diariamente. Se todos trabalharem e se todos tiverem um padrão de consumo que ofereça condições de vida coletiva, isso seria viável. Estamos num momento crucial da história. Quando o executivo se sente mal, não é apenas no trabalho. É um mal estar geral que revisita e revigora Sigmund Freud, o pai da psicanálise. É o mal estar da civilização. “Eu não quero mais viver nessa cidade. Não quero trabalhar desse jeito.” Para isso, não espere pelo epitáfio.
Ás vezes alguns executivos me perguntam: “Mas como é que eu faço? Nesse mundo que está aí, se eu bobear eu danço”. Depende de com quem você está querendo dançar. Quem sabe você se junta com a sua família , com a sua cabeça, reflita e pense se o caminho que você está escolhendo pode ser um caminho que você está escolhendo pode ser um caminho em que você está ocupando, mas não está vivendo de fato. Ocupação não é sinônimo de vida, é sinônimo de atividade.
Tem saída? Claro: é só não desistir...
Comentários
Postar um comentário